Quem adquire imóvel na planta não pretende desistir do negócio, porém, isso à vezes pode acontecer e por inúmeras razões. Conheça os direitos do comprador que deseja realizar o distrato, evitando as armadilhas dos contratos.
Embora nos contratos de compromisso de venda e compra de imóvel na planta exista cláusula de irretratabilidade e de irrevogabilidade, o que, em princípio, tornaria o negócio impassível de arrependimento, esse tipo de cláusula não é absoluta e tem sido reiteradamente ignorada por nossos Tribunais, uma vez que qualquer comprador de imóvel na planta tem o direito legalmente assegurado em pleitear o cancelamento do negócio anteriormente firmado.
O DISTRATO de compromisso de venda e compra de imóvel na planta é uma das ações disponíveis ao comprador em caso de arrependimento posterior à celebração do contrato de compromisso de venda e compra.
Mas afinal, o que é o distrato?
Em primeiro lugar, destaca-se que o DISTRATO tem plena existência em nosso ordenamento jurídico, previsto expressamente nos artigos 472 e 473 do Código Civil e tem por objetivo extinguir as obrigações anteriormente firmadas em um contrato, desde que este ainda não tenha sido executado em sua totalidade, o que no caso deste artigo, em específico, equivale à entrega das chaves do imóvel ao comprador.
Vale informar: uma vez que o comprador recebeu as chaves do imóvel e dele tomou posse, não cabe mais solicitar o distrato perante a incorporadora/construtora.
Portanto, o distrato nada mais é que um novo contrato com teor oposto ao do contrato celebrado em um primeiro momento entre as partes contratantes.
Para ser possível um distrato para pôr fim ao contrato de compromisso de venda e compra de imóvel na planta deve haver prévia concordância de ambas as partes contratantes, isto é, do compromissário-comprador e da promitente-vendedora.
Há também a possibilidade de se operar o distrato através de notificação extrajudicial por uma das partes contratantes, apresentando os motivos pelos quais a continuidade na compra e venda se tornou impossível, hipótese na qual o contrato passa a ser entendido como encerrado pela parte notificante, como, por exemplo: a vendedora notifica o comprador acerca de pagamentos em aberto e sem sucesso de composição, encerrando o negócio após determinado número de parcelas inadimplidas; ou então, o comprador notifica a vendedora sobre sua impossibilidade econômica e dá por encerrada a relação contratual, restando apenas a discussão sobre o montante a ser restituído.
Se o contrato de compromisso de venda e compra de imóvel na planta tiver sido confeccionado por Instrumento Particular, o Distrato Contratual deverá ser feito nos mesmos moldes e se tiver sido confeccionado através de Escritura Pública, recomenda-se que o Distrato seja feito em Cartório de Notas, igualmente através de Escritura Pública, como regra de formação dos contratos e por observância ao previsto pelo artigo 472 do Código Civil.
Não se perca de mente jamais que o distrato, assim como tudo e qualquer contrato, além de estar sujeito às regras legais de controle da liberdade contratual, está também sujeito ao controle judicial de suas cláusulas, especialmente quando se trata de matéria de consumo no mercado imobiliário, tal como o é a típica compra e venda de imóvel na planta, motivo pelo qual suas cláusulas poderão ser revistas judicialmente se consideradas abusivas, como, por exemplo, o distrato celebrado entre vendedor e comprador, onde aquele se compromete a restituir apenas um pequeno percentual dos valores pagos pelo comprador e este sequer chegou a receber as chaves do imóvel.
Nesse sentido, aliamo-nos ao entendimento defendido pelo professor Cristiano Chaves de Farias, para o qual “são infensos ao controle judicial os motivos que conduziram as partes à resilição bilateral. Contudo, como em qualquer outro contrato, eventualmente um instrumento de distrato poderá ser eivado de vícios que afetem a vontade das partes ou evidenciem uma quebra do equilíbrio negocial. Estas interferências negativas são passíveis de revisão em juízo, sobretudo no campo das relações consumeristas, território propício à inserção de cláusulas abusivas. ” (CHAVES, Cristiano. Curso de direito civil. Salvador: Editora Jus Podivm, v. 4, 2013, p. 538)
Causas para o distrato e suas consequências práticas
Distrato motivado por ato do comprador
Se quem solicita o distrato é o comprador, evidentemente, não há como recuperar todos os valores pagos. Há que se permitir que o vendedor retenha algum percentual sobre as quantias adimplidas como forma de compensação pelo desfazimento do negócio.
Normalmente os motivos que levam o comprador ao cancelamento do contrato são:
I) falta de recursos financeiros para a quitação do saldo devedor ante o aumento substancial das parcelas finais do contrato, especialmente a parcela de financiamento bancário;
II) perda de emprego;
III) fim do relacionamento com o cônjuge, afetando a capacidade econômica de continuar a aquisição;
IV) descontentamento com a finalização da obra, etc.
Distrato provocado por culpa do vendedor
Se quem solicita o distrato é o comprador, porém, por ato imputável ao vendedor, a restituição dos valores pagos deve ser integral, sem qualquer retenção.
Os casos mais comuns para o distrato por culpa do vendedor são:
I) atraso na entrega do imóvel, ultrapassando-se o prazo limite previsto em contrato;
II) erro na metragem do imóvel acima do legalmente permitido (5%);
III) erro no memorial descritivo do imóvel;
IV) desistência da incorporação imobiliária pela vendedora;
V) impossibilidade do comprador financiar o saldo devedor devido à informações deficientes prestadas no momento da aquisição pelo vendedor ou por preposto a ele relacionado;
VI) caracterização de propaganda enganosa por parte do vendedor.
Formas e tempo para a solicitação do distrato
O distrato deve ser solicitado sempre na forma escrita.
O momento para a solicitação do distrato é até antes do efetivo recebimento das chaves do imóvel. Caso o comprador receba as chaves e tome posse do imóvel, não mais será possível o distrato.
Comprador inadimplente pode solicitar o distrato
Vale lembrar que não existe proibição legal para o comprador inadimplente solicitar o distrato ou pleitear a rescisão judicial do compromisso de venda e compra de imóvel na planta.
Ao contrário, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por exemplo, em dezembro de 2010 emitiu a súmula nº 1, a qual prevê categoricamente que “o compromissário comprador de imóvel, mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas, admitida a compensação com gastos próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor, assim como com o valor que se arbitrar pelo tempo de ocupação do bem. ”
Retenções consideradas abusivas nos compromissos de venda e compra de imóveis na planta
Conforme reiteradas manifestações de nossos Tribunais, reputam-se abusivas cláusulas contratuais que em caso de distrato ou rescisão do negócio, a vendedora imponha ao comprador perda substancial dos valores pagos ou que apresentem uma base de cálculo desequilibrada.
O percentual de retenção deve ser sempre calculado tendo por base o valor efetivamente pago pelo comprador, sendo abusiva cláusula contratual que estabeleça uma retenção tendo como base o valor do contrato ou pior, o valor de mercado do imóvel.
Segundo entendimento dos Tribunais, a retenção cabível para a vendedora operacionalizar em caso de distrato ou rescisão motivada por ato do comprador, onde este sequer tomou posse do imóvel, é de 10% (dez por cento) a até 20% (vinte por cento), no máximo e dependendo de cada caso.
Rescisão Contratual Judicial
Importante destacar que caso o comprador de imóvel na planta não obtenha sucesso no distrato amigável com o vendedor (incorporadora/construtora), poderá se socorrer ao Poder Judiciário.
Nesse cenário da rescisão judicial aplicam-se os mesmos termos das causas acima, ou seja, se a rescisão se dá por culpa do vendedor, o comprador tem direito à restituição integral dos valores pagos, acrescidos de correção monetária desde cada pagamento e juros legais de 1% ao mês até a efetiva restituição.
Por outro lado, se a rescisão judicial for motivada por ato exclusivo do comprador, caberá uma retenção sobre os valores pagos.
Nesse contexto, nossos Tribunais têm se pautado por admitir que as incorporadoras/construtoras retenham o equivalente a 10% (dez por cento) dos valores pagos em contrato como regra geral, sendo a retenção máxima atualmente permitida equivalente a 20% (vinte por cento).
Em qualquer dos casos, a restituição mínima de 80% (oitenta por cento) e a restituição limite de 90% (noventa por cento), será sempre à vista e os valores acrescidos de correção monetária desde cada pagamento e juros legais de 1% ao mês até a efetiva restituição.
Fonte: Mercadante Advocacia (especialista em Direito Imobiliário)