Adoção de pessoas maiores de 18 anos: possibilidade, procedimento e modelo de petição
Breve dissertação teórica acompanhada de modelo de petição. Teoria e prática aplicadas a um instituto pouco utilizado, mas sobremaneira razoável, quando a paternidade afetiva ganha força e concretude a cada dia.
A adoção de maiores de dezoito anos é utilizada desde os antigos romanos. Lar (ou lares, no plural), divindades domésticas, personificavam os antepassados das famílias e eram cultuadas no âmbito familiar. Aqueles que não tivessem filhos seriam desgraçados, pois sem contar com o culto depois da morte perder-se-iam no limbo.
Daí ser, naquela época, não apenas aceitável o instituto da adoção, mas conveniente, necessário e prática usual. Até janeiro de 2003, no Brasil, a adoção de maiores de dezoito anos dava-se por mera escritura pública, registrada em cartório. Com o advento do Código Civil de 2002 (vigente a partir de janeiro de 2003), passou a exigir sentença constitutiva (1). Portanto, é hoje imprescindível o controle jurisdicional. Ao procedimento aplica-se, no que couber, as normas do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990).
A necessidade da submissão do procedimento ao Poder Judiciário explica-se pelo interesse público, uma vez que do ato resultam mudanças no âmbito dos direitos e deveres de adotantes e adotados. Por consequência, é imprescindível a propositura de uma ação, por intermédio de advogado constituído.
Atualmente, o instituto ganha importância, ante as novas relações familiares e a dignidade da pessoa humana, personificada no nome dos indivíduos.
Não é razoável que alguém que trate por pai aquele que o criou – e seja tratado como filho – não possa alcançar os direitos inerentes à prole de sua família de adoção e carregar seu nome. Aliás, tal situação é mais e mais comum e a legislação prevê a possibilidade da adoção do enteado(a) pelo padrasto (ou madrasta), sem que perca a qualidade de pai (ou mãe) o consorte ou companheiro(a).
Com a adoção, o registro original será cancelado e expedido um novo em que constará a nova filiação e o novo nome do adotado. O sobrenome será alterado, não o nome. Diferentemente da adoção de menores, é um procedimento de jurisdição voluntária, que independe do afastamento prévio do poder familiar (o poder familiar extingue-se com a maioridade).
A participação dos pais biológicos no polo passivo é desnecessária, uma vez que a lei não o exige, de forma expressa, de maneira que, por economia processual e para a formação de jurisprudência, pode o peticionário dispensá-lo, em um primeiro momento, emendando a inicial, se intimado a fazê-lo (3).
Isso porque apesar de não depender do aval dos pais biológicos, o Ministério Público tem entendido pela necessidade da citação daquele que terá o nome alterado na certidão do filho (2). Incluído o pai ou mãe biológico no polo passivo, comprovado domiciliar em lugar incerto ou não sabido, será a parte citada por edital e nomeado curador especial.
O foro pode ser livremente escolhido pelos proponentes, tendo em vista não haver hipossuficiente a proteger e o pedido deve ser endereçado ao Juízo da Vara da Família, onde houver.
(1) RECURSO ESPECIAL Nº 703.362 – PR (2004⁄0153151-0) RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator): 1. Cuida-se, na origem, de requerimento ajuizado por EAK, de alvará para outorga de escritura de adoção de FACG, que já contava com 20 (vinte) anos de idade no momento do pedido. O Juízo de primeira instância julgou procedente o pedido para autorizar a adoção de FACG por EAK, lavrando-se o respectivo instrumento, determinando a averbação junto ao registro civil, “expedindo-se, para tanto, o respectivo mandado, no qual deverá constar o primeiro requerente na condição de pai e os pais deste na condição de avós paternos, permanecendo inalteradas as demais informações (fls. 15⁄17). O Ministério Público do Estado do Paraná apelou (fls. 19⁄24). O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná negou provimento ao recurso, restando o acórdão assim ementado:
APELAÇÃO CÍVEL – ADOÇÃO DE MAIOR DE DEZOITO ANOS – COMPETÊNCIA DAS VARAS DE FAMÍLIA – PEDIDO INICIAL ERRONEAMENTE ENDEREÇADO E DISTRIBUÍDO A 1ª VARA DE FAMÍLIA E REGISTROS PÚBLICOS DA COMARCA DE LONDRINA – SENTENÇA QUE AUTORIZOU A ADOÇÃO – APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO OBJETIVANDO REFORMA DA SENTENÇA, PARA QUE FOSSE EXTINTO O processo SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, PELA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO – ALEGAÇÃO IMPROCEDENTE, UMA VEZ QUE, NA DEMANDA EM QUESTÃO, O MAGISTRADO A QUO ATUA TANTO COMO JUIZ DA VARA DE FAMÍLIA COMO JUIZ DA VARA DE REGISTROS PÚBLICOS – PRINCÍPIO DA ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAIS – RECURSO DESPROVIDO. (fls. 65⁄72) Opostos embargos de declaração (fls. 76⁄79), foram rejeitados (fls. 87⁄92). O Ministério Público do Estado do Paraná interpôs recurso especial (fls. 99⁄107), fundado na alínea “a” do permissivo constitucional, alegando, em síntese, violação aos arts. 262, do CPC, e 1.623 do CC, vez que a adoção, ainda que de maior de 18 (dezoito anos), deve obedecer, obrigatoriamente, a processo judicial, não sendo, assim, mais possível realizá-la por intermédio de escritura pública. Admitido o recurso especial pelo Tribunal de origem (fls. 114⁄116), subiram os autos a esta Corte. O Ministério Público Federal apresentou parecer (fl. 125), opinando pelo acolhimento do recurso. É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 703.362 – PR (2004⁄0153151-0) EMENTA CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ADOÇÃO DE MAIOR DE DEZOITO ANOS. MEDIANTE ESCRITURA PÚBLICA. CÓDIGO CIVIL DE 2002. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PROCESSO JUDICIAL E SENTENÇA CONSTITUTIVA.
- Na vigência do Código Civil de 2002, é indispensável o processo judicial, mesmo para a adoção de maiores de dezoito (18) anos, não sendo possível realizar o ato por intermédio de escritura pública.
- Recurso especial provido. VOTO O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
- Cuida a presente controvérsia em saber se, após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, é permitida a adoção de maior de 18 (dezoito) anos por meio de pedido de alvará para outorga de escritura de adoção.
- A nova redação do original artigo 1623⁄ CC 2002 restou assim redigida: Art. 1.619. A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009). Com efeito, o novo Código Civil modificou sensivelmente o regime de adoção para os maiores de 18 anos, a qual, de acordo com a norma anterior, poderia ser realizada conforme a vontade das partes, por meio de escritura pública. Hoje, contudo, dada a importância da matéria e as consequências decorrentes da adoção, não apenas para o adotante e adotando, mas também para terceiros, faz-se necessário o controle jurisdicional que se dá por meio do preenchimento de diversos requisitos, verificados em processo judicial próprio. Sobre o tema explica Paulo Lôbo: “O Código Civil de 2002 modificou radicalmente o regime de adoção, que se estabelecera no Código de 1916. desapareceu a adoção simples, que era centrada na autonomia individual, a qual, após o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, tornou-se residual, para os maiores de 18 anos. (…) A inclusão do maior no direito à assistência efetiva do Poder Público radica o §5º do art. 227 da Constituição: ‘A adoção será assistida pelo poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação pro parte de estrangeiros’. Não faz restrição, sendo abrangente da adição de menores e maiores. (…) ao exigir o processo judicial, o Código Civil extinguiu a possibilidade da adoção mediante escritura pública e, por consequência unificou seu regime com o já estabelecido no estatuto da Criança e do Adolescente. Toda e qualquer adoção passa a ser encarada como um instituto de interesse público, exigente de mediação do estado, por seu Poder Público. A competência é exclusiva das Varas de infância e Juventude quando o adotante for menor de 18 anos, na forma do art. 148, III,do ECA, e das Vras de família, quando o adotando for maior”(LÔBO, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 262 – 263) Assim, diante da clareza do texto legal, não há como negar a necessidade de processo judicial e de uma sentença constitutiva, sendo incabível o procedimento adotado pelas partes, no caso concreto, junto às instâncias ordinárias.
- Cabe ressaltar, ainda, que não há se de falar em excesso de formalismo. Por meio do processo judicial específico, a autoridade judiciária tem a oportunidade de verificar os benefícios efetivos da adoção para o adotante e adotando, seja ele menor ou maior, o que vai ao encontro do interesse público a que se visa proteger. É, pois, indispensável, mesmo para a adoção de maiores de 18 anos, a atuação jurisdicional, por meio de processo judicial e sentença constitutiva. Dessa forma, o acórdão recorrido, ainda que fundado na economia processual, laborou em equívoco ao autorizar o pedido indevidamente formulado pela parte, permitindo, assim, a lavratura de escritura de adoção, o que não é mais possível em nosso ordenamento jurídico, face a necessidade de um procedimento especial que culmina em uma sentença constitutiva.
- Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, julgando, sem resolução de mérito, nos termos dos arts. 267, I e IV do CPC, extinto o processo. Sem custas e sem honorários, diante da natureza do conflito.
(2) PETIÇÃO EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA VARA DA FAMÍLIA E SUCESSÕES DO FORO REGIONAL DO XXXXXXXX, COMARCA DE XXXXXXXXXXX HPS, brasileiro, casado, (profissão), portador da Cédula de Identidade RG nº xxxxxxx, inscrito no CPF/MF sob nº xxxxxxxx, residente e domiciliado na Rua xxxxxxxxxx, bairro do xxxxxxxx, na cidade de xxxxxxx, Estado de xxxxxx, CEP xxxx e APC, brasileira, (estado civil), (profissão), portadora da Cédula de Identidade RG nº xxxxxxxxxxx, inscrita no CPF/MF sob nº xxxxxxxxxxxxxx, residente e domiciliada na cidade de xxxxxxxxx, Estado de xxxxxxxxx, na xxxxxxxxx, CEP xxxxxxxxxx, por seu advogado infra-assinado, mediante instrumento de mandato em anexo, com endereço profissional na xxxxxxxxxxxxxxx, em seu próprio nome e como representante legal de MR, vêm com o devido acato e respeito à presença de Vossa Excelência, com fundamento no Artigo art. 1.619 do Código Civil e o parágrafo 1º do Art. 41 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) propor o presente
PEDIDO DE ADOÇÃO da maior AC, em face de XXXXXXXXXXX, de qualificação e domicílio ignorados, (3) pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos:
I – DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO Preliminarmente, trata-se de pedido de adoção de maior emancipada, regulada pelo Código Civil e, no que couber, pelas regras gerais do Estatuto da Criança e do Adolescente, nos termos do Art. 1.619 do código civilista. Isto posto, e não havendo hipossuficiente a proteger, elegem os Requerentes este Juízo, por mais conveniente para ambos, visto que é o foro do domicílio do Requerente-adotante.
II – DO INTERESSE JURÍDICO Estabelece o mesmo Art. 1.619 que a adoção de maiores de dezoito anos depende da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, de maneira que, segundo a regra legal, apenas com o provimento jurisdicional poderá ser alcançado o pedido aqui exposto e justificado. Por consequência, desde o advento do Código Civil de 2002 não mais é possível a adoção de maiores de dezoito anos por escritura pública, pois é no processo judicial que a autoridade judiciária se cercará de meios para garantir os benefícios efetivos da adoção para o adotante e o adotando, seja ele menor ou maior, visando o interesse público a que busca proteger.
III – DOS FUNDAMENTOS LEGAIS E FÁTICOS Desde 1991 encontrou-se a Requerente-adotanda sob os cuidados de sua mãe, DCPS, brasileira, casada, (profissão), portadora da Cédula de Identidade RG nº xxxxx e inscrita no CPF/MF sob nº xxxxxxxxxxx, em conjunto com o Requerente-adotante, HPS, os quais viveram maritalmente até xx/xx/xxxx, quando oficializaram o relacionamento, conforme Certidão de Casamento que instrui este pedido. Portanto, viveu a Requerente-adotanda, até o seu casamento, em companhia da mãe e do padrasto, o Requerente-adotante, a quem até hoje, aos xxx anos, trata por pai – aliás, o único pai que conheceu. Deve-se observar que a adotanda, hoje, é civilmente capaz e não está sob guarda ou tutela. Em verdade, o carregar o nome de desconhecido – com quem jamais estabeleceu relações ou conhecimento – que difere daquele com o qual sua família é identificada, sempre causou perplexidade e constrangimento à Requerente-adotanda. Tanto é assim que, ao gerar seu filho, MR, não transmitiu a Requerente-adotanda o patronímico herdado do pai natural. O avô de seu filho é, com efeito, o Requerente HPS. Mais: quando se casou, continuou a usar o nome de solteira; porém hoje, com a possibilidade de utilizar o nome de seu “pai do coração”, anseia pela mudança. Trata-se de oficializar situação de fato que se perpetua, acompanhada de relações que ultrapassam a de pai e filha, pois considera-se e é considerada a adotanda neta dos pais do adotante e irmã das filhas deste, das quais seu nome destoa. O constrangimento como fundamento para o pedido de adoção de maior de dezoito anos pode servir de justificativa íntima. Não é, todavia, requisito legal, visto que são necessários, somente, o requerimento do adotante e o consentimento do adotando, uma vez que, consoante o Art. 1.630 do Código Civil, o poder familiar cessa com a maioridade. Garantindo a boa-fé com que pedem a alteração do nome da Requerente e a lisura processual, colacionam aos autos as certidões: do Serviço Social de Proteção ao Crédito, da Execução Criminal, dos Distribuidores Cível e Criminal, de Antecedentes Criminais, da Receita Federal, das Justiças Eleitoral e Federal e Certidão Negativa de Protestos. Por conclusão, atendem os Requerentes às disposições legais: a adoção não é requerida pelo casal, mas pelo adotante, uma vez que sua esposa é mãe da adotanda; a diferença de idade entre adotante e adotanda é de 27 anos – superior à exigida pelo § 3º do Art. 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente -, e a adotanda está de pleno acordo com a adoção, pois conhece o adotante como pai desde tenra infância.
IV – DO PEDIDO Certos de serem atendidos neste pleito de inegável JUSTIÇA, requerem: a) seja ouvido o digno representante do Ministério Público; b) o deferimento da adoção da maior, depois de cumpridas as formalidades legais; c) a manutenção do nome da mãe em seu registro civil e a substituição do nome do pai, constando no lugar de AC o nome de HPS, de maneira que deverão ser mantidos os vínculos com a mãe e seus respectivos parentes; d) que à adotanda seja modificado o seu nome, a pedido dos Requerentes, ou seja, que passe a ser APS para os documentos exigidos para sua legalidade (Art. 1.627, Código Civil); e) que, oportunamente, seja determinada a expedição de mandado ao Oficial do Registro Civil do Distrito de Ibiúna, a fim de que seja emitido o registro definitivo da maior e modificados a Cédula de Identidade, o CPF, o Título de Eleitor, etc., assim como o assento de Registro Civil do menor, filho da adotanda, que desde a averbação constará como MSR, constando, ainda, o nome de sua mãe, APS, já averbado, e o nome do avô paterno, como sendo HPS; Protestam os Requerentes pela produção de todos os meios de provas permitidos, inclusive documentais, se necessárias. Atribuem à causa o valor de R$ xxxxxxxxx. Nestes Termos, Pede Deferimento. São Paulo, xxxxxxxxxxxxxxx. xxxxxxxxxxxxxxx OAB/SP nº xxxxxxxxx Seja leal.
Fonte: Publicado por SANCHES, Maria da Glória Perez Delgado.
Adoção de pessoas maiores de 18 anos: possibilidade, procedimento e modelo de petição.
Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3801, 27 nov. 2013.