Este artigo aborda as consequências do não cumprimento de um acordo: seja ele firmado em audiência ou assinado pelas partes e levados à homologação, sob a ótica do direito de família.
É situação comum nas demandas familiares a transação entres os litigantes, ou seja, a formulação de acordo para dar fim à ação judicial, atitude esta incentivada pelo Novo Código de Processo Civil, em seu art. 694.
Art. 694. Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação.
Parágrafo único. A requerimento das partes, o juiz pode determinar a suspensão do processo enquanto os litigantes se submetem a mediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar.
O que é de fato positivo, vez que a seara familiar normalmente trata de situações mais sensíveis do que nas demais áreas do Direito, e por isso, é comum dizer que as partes sabem o que é melhor para si, e isso deve ser referendado pelo magistrado, desde que cada qual faça concessões recíprocas e aceite o compromisso de cumpri-las.
Contudo, é também corriqueiro que as partes façam acordos: tanto em audiência de conciliação, como extrajudiciais para posterior homologação, e os descumpram por inúmeras razões. Importante ressaltar que tanto um acordo extrajudicial homologado ou um feito em audiência, constituem título executivo judicial, isto é, podem ser executados diretamente. Vejamos o que dispõe o art. 515, II do novo Código de Processo Civil:
Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título:
II – a decisão homologatória de autocomposição judicial;
Assim sendo, o acordo judicial de guarda de menor, visitação, alimentos, etc., é um título executivo judicial, e perfaz-se normalmente por uma obrigação de fazer, descrita no art. 536 do novo Código de Processo Civil, que estipula, por exemplo: o dever de contribuir com alimentos, de fornecer o menor ao outro genitor para visitas ou viagens, ou de zelar pelo cuidado e educação da criança.
Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.
Parágrafo 5º O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional.
Em se tratando de especificamente de pensão alimentícia , a parte que tem o direito de receber os valores pode intimar o devedor para que, em 3 dias: pague, prove que já o pagou, ou justifique sua impossibilidade de fazê-lo, nos termos do art. 528, do Novo Código de Processo Civil, vejamos.
Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.
Situação diversa é quando falamos de guarda e visitação, quando por exemplo, o pai guardião se recusa a entregar o filho menor para passar final de semana com o outro genitor, mesmo que isso tenha ficado acordado em transação judicial. Neste caso, verifica-se uma dúplice obrigação: de fazer e não fazer, sendo a primeira fundada no dever do guardião de entregar o filho menor, e a segunda, em que o guardião não crie embaraços ou quaisquer obstáculos para a efetiva visitação da criança. Até porque, é dever comum dos pais observar pela manutenção e educação de seus filhos, independente de qual deles possua a guarda; e ainda, tê-los em sua companhia. Assim determina o art. 1589 do Código Civil.
Art. 1589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.
O novo Instituto Processual (art. 536, § 1º) trouxe algumas facilidades para compelir o genitor guardião a cumprir o acordo firmado, como a imposição de multa diária, e busca e apreensão, sendo esta última medida mais gravosa, que sempre deve preceder de análise do caso concreto.
§ 1º Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial.
Aliás, para o jurista Paulo Luiz Netto Lobo, as astreintes são plenamente aceitáveis, quando tem intuito de coagir o devedor a cumprir com o acordado.
“As multas cominatórias diárias (astreintes), que não têm natureza de indenização pelo inadimplemento, podem ser utilizadas pelo juiz para compelir o devedor à prestação de fazer ou não fazer, a partir da citação em processo de execução. ”
O TJ-SC já se posicionou pela aplicabilidade de multa diária em casos de descumprimento de acordo judicial firmado na seara familiar.
…DIREITO DE FAMÍLIA. EXECUÇÃO DE SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE ACORDO NO TOCANTE AO DIREITO DE VISITAS…. EXECUÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL…. ART. 1589 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 E ARTIGOS 461, 475-I E 475-N, INC. III,…
1. …implica no inadimplemento de obrigação de fazer, razão porque mostra-se viável, de conseguinte, a execução da sentença, com a utilização das medidas de coerção, inclusive de multa diária…
(TJ-SC – Agravo de Instrumento: AG 445356 SC 2008.044535-6)
Além da multa, a ser estabelecida em padrões que respeitem o caso concreto, como a gravidade da obrigação descumprida, o período em que se dá o descumprimento, ou ainda, os direitos infringidos; é possível recorrer a imposição das penas de litigância de má-fé, nos termos do art. 536, § 3º do Novo Código de Processo Civil:
§ 3º O executado incidirá nas penas de litigância de má-fé quando injustificadamente descumprir a ordem judicial, sem prejuízo de sua responsabilização por crime de desobediência.
Não obstante, se todas estas medidas citadas se mostrarem insuficientes, é pertinente pleito de condenação do devedor, isto é, do genitor que está descumprindo sua parte em um acordo de guarda e visitação de menores, em perdas e danos, de acordo com o permitido pelo art. 247 do Código Civil.
Art. 247. Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta, ou só por ele exequível.
E por último, por ser medida mais gravosa, pode-se pensar na aplicação de busca e apreensão dos filhos menores que estão restritos da companhia do outro genitor não guardião. Contudo, o magistrado sempre deve agir com cautela ao deferir tal possibilidade, vez que a experiência de uma busca e apreensão pode se mostrar demasiadamente traumática para a criança.
Idealmente, os genitores que firmam acordo judicial em audiência, ou extrajudicial homologado posteriormente, devem ater-se aos termos da transação, agindo harmonicamente e respeitando os horários para entrega dos filhos, finais de semana, férias e feriados, sempre em prol do bem maior – o bem-estar do filho comum. Mas caso assim não ocorra, a sentença judicial que homologou o acordo, deve ter força para ser executada como título executivo que é, e o magistrado, deve estar atento para fazer cumprir suas determinações.
Fonte: Jusbrasil
Artigo Dra. Suzanna Borges de Maceso Zubko